Fato Administrativo, Ato da Administração e Ato Administrativo

Por Saulo Santos Hagge Menezes

De acordo com a teoria da tripartição dos Poderes, o Estado exerce três funções básicas, a saber, Legislativa, Judiciária e a Administrativa; pelos seus respectivos Poderes – o Legislativo, o Judiciário e o Executivo – que conforme o art. 2º da Constituição Federal de 1988, são independentes e harmônicos entre si, produzindo no eixo de suas atividades típicas, atos legislativos, atos judiciais e atos administrativos respectivamente.
Dado ciência do terreno onde o ato administrativo transita, é importante deixar expresso o modus operandi do Estado no exercício de suas funções, sobretudo no exercício da função administrativa. Daí entender que, quando o Estado, através de qualquer desses poderes, desempenha a função administrativa (de maneira típica para o executivo e, atípica para os demais), o teremos, enquanto Administração Pública, atuando através de atos da Administração, entre os quais estão os atos administrativos.
Preliminarmente, temos que os Fatos Administrativos compreendem as atividades materiais praticadas pela administração, através dos seus agentes públicos. São ocorrências, eventos, situações fatídicas que alteram a realidade e assim sendo, são salutares as seguintes exposições:

[…] O fato administrativo é considerado pelos autores, em acepção absolutamente técnica e peculiar, como toda atividade material que tem, por objetivo, efeitos práticos no interesse da pessoa jurídica que a executa, neste caso, a Administração, por intermédio de seus agentes. […] é qualquer ato material praticado pelo Estado no exercício da Administração (CRETELLA, JR., 1999, p.188).

Fato administrativo é toda realização material da Administração em cumprimento de alguma decisão administrativa, tal como a construção de uma ponte, a instalação de um serviço público etc. […] O fato administrativo resulta sempre do ato administrativo que o determina (MEIRELLES, 2007, p.153).

[…] Fato administrativo, […] tem o sentido de atividade material no exercício da função administrativa, que visa efeitos de ordem prática para a administração. […] Na Verdade, entre os atos da administração se enquadram atos que não se caracterizam propriamente como atos administrativos, como é o caso dos atos privados da Administração (CARVALHO FILHO, 2013, p.98).

Do exposto, é notável, que a doutrina mais tradicional apresenta traço comum na concepção do conceito de fato administrativo, qual seja, o desenvolvimento de atividade material executada pela Administração, e na intelecção de que o mesmo resulta de um ato administrativo, ou mesmo, de uma sequência de atos administrativos. Porém, há autores que sustentam a ideia de que existem fatos administrativos que não se exteriorizam apenas na roupagem de ato administrativo, nada impedindo então, que os fatos, derivem de condutas administrativas não formalizadas em atos administrativos.
Mazza (2012) sintetiza o enquadramento proposto por Carvalho Filho (2013) ao exemplificar que os fatos administrativos poderão ser voluntários ou naturais. Os primeiros derivariam de atos administrativos ou de condutas administrativas. Já os naturais seriam baseados em fenômenos da natureza com reflexos na órbita administrativa. Como exemplos:

1) De fatos administrativos, voluntários, derivados de atos administrativos, temos:

a) A apreensão de mercadorias;
b) A demolição de edifícios;
c) A interdição de estabelecimentos comerciais;
d) A detenção de delinquentes pela autoridade policial, etc.

2) De fatos administrativos, voluntários, derivados de condutas administrativas temos:

a) A alteração de endereço de repartição pública;
b) Varrição de rua;
c) Cirurgia em hospital público, etc.

3) De fatos administrativos naturais, temos:

a) Raios que destroem bem público;
b) Árvore centenária, que ao cair, danifica praça pública;
c) Enchentes que inutilizam equipamentos públicos etc.

Ato da Administração

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro (2000, p.175) “todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da administração”. Assim, os atos da Administração são bem vastos e representam, por conseguinte, todos os atos praticados no exercício da função administrativa, e comumente exteriorizam-se através de:

a) Atos de direito privado, consubstanciados, na igualdade da relação jurídica entre Administração e quem com ela contrata, não havendo por sua vez, o uso da supremacia de poder público inerente à Administração, nivelando-a com quem negocia, como as observadas nas relações contratuais regidas pelo código civil ou comercial (locação, doação, compra e venda, entre outros);

b) Atos materiais (fatos administrativos), não havendo qualquer manifestação de vontade. Limitados a atividades operacionais (construção de um muro, demolição de um prédio, apreensão de alimentos) não jurídicas, exercidas pela Administração.

c) Atos políticos, que são aqueles praticados no exercício de função política ou de governo. Aqui, há forte divergência doutrinária quanto ao enquadramento dos atos políticos, no rol dos atos da administração.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (2013, p.388), acompanhado por Di Pietro (2000, p.176), os “Atos políticos ou de governo, praticados com margem de discrição e diretamente em obediência à Constituição, no exercício de função puramente política, estão enquadrados como atos da administração”.
Já Carvalho Filho (2013, p.99) e Gasparini (2012, p.109) discordam, com veemência, deste posicionamento alegando que os atos verdadeiramente políticos estão fora da classificação “atos da administração” e são entendidos como atos administrativos.
Seguimos os primeiros, pois entendemos que os atos administrativos visam resguardar, constituir, adquirir, modificar e anular direitos, podendo ser revistos pelo Poder Judiciário, e, o ato político por ter liberdade de ação, não está sujeito (em tese) à revisão pelo judiciário, obedecendo à Constituição, como bem asseverado pelo próprio Celso Antônio. Por isso incluímos os atos políticos ou de governo como atos da administração e não como atos administrativos.

d) E por fim, exteriorizam-se como Atos Administrativos, que a seguir será tratado.

Ato Administrativo
Histórico

Para Ribeiro (1964), a história do surgimento da expressão ato administrativo, remete aos idos de 1789, após a revolução francesa, pois antes da revolução os atos que interessavam a Administração eram apenas os atos do Rei, da Coroa, ou do Fisco. Só após a revolução, com a consagração do princípio da legalidade da Administração, é que certos atos da administração receberam a significação peculiar de atos administrativos. Na doutrina do alemão Hartmut Maurer (2006, p.17) também encontramos o mesmo enquadramento histórico quando este nos diz que: “os pressupostos para um direito administrativo moderno nasceram quando, no decorrer do século 19, se produziu a vinculação da Administração à lei”.
Entende-se que a partir daí a Administração subordinou-se à Lei, e que a divisão de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) requereu regulações de competência, assim como o reconhecimento de direitos fundamentais. E aí estão os motivos que levaram à criação da teoria dos atos administrativos. Para corroborar com o exposto, segue a transcrição:

A sujeição da Administração à Lei vai conferir novos moldes às ações do Estado: do caos indisciplinado das diversas operações materiais até então praticadas, muitas vezes por vontade temperamental do governante, uma nova noção aparece, a de ato administrativo […] (MEDAUAR, 2007, p.132).

Conceito

Antes de prosseguir com o que seja conceitualmente o ato administrativo, é necessário, mesmo que de forma singela, tratar de seus requisitos de formação, e para isso, indica-se que o mesmo deve conter uma finalidade, um objeto, um motivo e deve obedecer a uma determinada forma, que varia conforme o tipo do ato a ser produzido. Toshio Mukai (1999, p.215), sabiamente nos diz que, o ato administrativo:

Deve ser expedido por agente competente; deve conter um objeto lícito, moral, possível e certo; deve obedecer a forma escrita e determinada em lei; deve conter uma finalidade determinada pela lei; deve conter motivos válidos ou prescritos em lei (atos vinculados) ou ditados pelos critérios de oportunidade e conveniência do agente, mas sem que denote desvio de poder (atos discricionários).

Dado o imbróglio inicial, no direito administrativo nota-se que a Administração em suas ações atua através de declarações vindas de seus agentes, e a ausência de conceito expresso na lei, do que venha a ser um ato administrativo, faz aparecer na doutrina diversas conceituações. Para o estudo ora realizado, importa verificar a presença de traços indispensáveis, que removeremos dos seguintes conceitos para ato administrativo:

Segundo Diógenes Gasparini (2012, p.112, grifo nosso):

[…] Podemos conceituar o ato administrativo como sendo toda prescrição unilateral, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo judiciário.

Para André Parmo Folloni (2009, p.58, grifo nosso):

O ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade emitida pela Administração pública ou por quem lhe faça as vezes, jungida ao regime jurídico administrativo e emitida no exercício de função pública, capaz de interferir concretamente na esfera jurídica de uma pessoa individualizada, impondo direitos e deveres correlatos, uma vez que veicula uma norma jurídica concreta e individual, com fundamento de validade imediato em norma jurídica hierarquicamente superior e mediato na totalidade do sistema, resultado do processo de aplicação e conseqüente criação do direito.

José dos Santos Carvalho Filho (2013, p.101, grifo nosso) conceitua o ato administrativo como sendo:

[…] a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.

Sinteticamente Toshio Mukai (1999, p.208, grifo nosso), reza que:

São chamados de atos administrativos os atos produzidos pelo administrador público (agente público) manifestando a vontade da Administração. É o ato administrativo o principal veículo de manifestação da vontade da Administração. É através dele, embora não só com ele, que a administração é dinamizada.

Na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p.389, grifo nosso) é possível extrair dois conceitos, o primeiro envolve o ato administrativo em sentido amplo:

[…] Declaração do Estado (ou quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providencias jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Já o segundo, em sentido estrito:

[…] como declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a titulo de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Do exposto, verifica-se através dos traços comuns, que o ato administrativo é algo fundamentado num conceito que envolve a idéia de uma manifestação unilateral de vontade, predisposta à produção de efeitos jurídicos, emitida pela Administração, no exercício de função pública, e que tal vontade exterioriza-se através de agentes da Administração ou por quem lhe faça as vezes, manifestando a vontade da Administração e não a sua própria.

Emissores do ato administrativo

Para prosseguirmos, é importante destacar, quem, no âmbito do exercício de expedição dos atos administrativos, pode produzi-los. Dessa forma, podem emitir atos administrativos a pessoa jurídica, órgão público ou mesmo pessoas físicas, pois já foi visto que o ato administrativo emana do Estado ou de terceiros que façam suas vezes. Os aqui chamados de terceiros são as pessoas jurídicas ou físicas que, em decorrência da lei, estão autorizados a emitir atos administrativos em nome do Estado.
Segundo D’Abril (2007) também expedem atos administrativos, as entidades criadas para a execução de serviços públicos, como as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, as fundações, concessionárias e permissionárias prestadoras de serviços públicos e, pessoas físicas registradas no ramo comercial com nome de firma individual, enlaçadas ao Estado como permissionárias de serviço público.
A título de registro, subscreve-se que o Ministério Público e os Tribunais de Contas, do mesmo modo, produzem atos administrativos. Assim, todas as pessoas físicas e jurídicas de personalidade pública ou privada e, até mesmo, máquinas, como por exemplo, o foto-sensor e os radares de trânsito, ao executarem serviços legalmente relacionados como públicos, no exercício de função pública, emitem atos administrativos. Todo esse elenco (exceto as máquinas) atua através de pessoas, que por fim, são traduzidas ao que chamamos de Agentes Públicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Atlas, 2013.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 16ª edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

D’ABRIL, Alfredo Enéias G. Ato Administrativo. 1ª edição. Bauru, São Paulo: Edipro, 2007.

DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylivia Zanella. Direito Administrativo. 12ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000.

FOLLONI, André Parmo. Teoria do ato Administrativo. Curitiba: Editora Juruá, 2009.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª edição. Atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012.

MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. 14ª edição. Tradução: Luís Afonso Heck. Barueri, São Paulo: Manole, 2006. Título original: Allgemeines Verwaltungsrecht

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 11ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

MUKAI, Toshio. Direito Administrativo Sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999.

RIBEIRO, Manoel. Direito Administrativo. Volume I, Salvador: Itapoã, 1964.

 

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